Tuesday, June 13, 2006

“Olha a tua volta. O que vês? Planícies, ou montanhas?”
“Sufoco, infinito. Creio que serão montanhas.”
“A vida é isso mesmo, um sufoco infinito.”
E sorrimos.

“O que pedes de mim?”
“Podias ser o meu bode expiatório. Costumamos chamar-lhe de amor.”
“E tudo o que deixamos para trás?”
“Seremos nós um dia, somos nós já agora. Somos tudo o que poderia ter acontecido mas jamais acontecerá, ainda que nos enganemos.”

Então ela pegou nas minhas coisas e refugiou-se naquela montanha nevosa. Ali, nua, como veio ao mundo, deixou-se gelar. Ali encontrei sepulcro.

“Esquece a paz de espírito, esquece a felicidade, são ideais para os tolos. Mas nós sabemos elogiar a loucura, mas nós sabemo-nos loucura, nós sabemos a lâmina na navalha, e nós sabemos dançar de rosto quebradiço e coração desfeito. Mas nós somos a decadência que é o mundo. Então devemos dar as mãos e apodrecer um no outro.”

“O gelo está a cair, tenho vontade de te consumir e de morrer, atingido pelo veneno.”

“Nós nunca fomos destinados para coisa nenhuma. E por isso nunca fomos destinados um para o outro.”

Então ele tomou festim na sua carcaça, e, ébrio no seu sangue de morte e de vida, escondeu-se na escuridão.


“Olha a tua volta, o que vês?”
“Um lugar sem mapas nem sonhos. Uma terra de gentes vazias. Antevejo a minha paralítica liberdade, só com uma Serpente para a mútua maldição.”




“Todas as promessas, todos os fragmentos de recordação, todos os pequenos pedaços, todo o desconforto de não encaixarem, enquanto o visionário estrangula. Aqui já não me encontras. Aqui, enquanto tudo se apaga, somos um e nenhum.”

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