Sunday, July 02, 2006

Os olhos cerrados do Eremita, morto para todos, a brisa que não lhe passa na barba nem na pele, a escuridão do seu refugio.

Os olhos cerrados do Eremita, no qual todos vivem ainda, as sensações que lhe passam no corpo como albas memórias amanhecidas contra o frio da noite auspiciosa.

A lágrima muda e surda, escorre-lhe pelas faces imóveis que se sentem trémulas, e canta sobre muitos mundos que morreram pelo seu sonho, de muitos mundos que se dissolveram nas suas alegrias. De muitos mundos condenados pelos seus próprios desejos. De mundos tremeluzentes, fadados a mergulharem nos mares expansivos do esquecimento e da eterna remanescência.

A jovialidade imortal, comprimida contra si mesma na intensidade, carcomida pela velhice. Murcha por se esmagar contra aquilo que ela própria é. A luminosidade do Eremita, impávido, sereno, a fitar muitas paisagens, a seguir muitas vidas, de olhos cerrados, de coração mudo. Ninguém o pode corromper nos confins da terra, nos confins de si mesmo. Em silêncio, ele cresce como uma arvore albina, inderrubavel, ninguém lhe pode ser roubado, e nada mais que a sua própria essência, lhe pode ser acrescentada. Por vezes, o Eremita indaga sobre a realidade das suas lembranças, e descobre que a realidade não está no acontecimento. E descobre que a realidade é a Sereia que habita os mares da sua alma e os rios de estrelas que o percorrem tão bem como percorrem o Universo.

A fixidez e a rigidez do seu corpo sulcado são como uma porta aberta para o fluxo do mundo, já ninguém o pode enganar. O seu irmão vulgar é o demónio, é o demiurgo... todos eles navegam, cegos, arrastados pelas correntes deste fluxo, sabem, apenas, que não se podem deixar afogar, e por isso jamais conhecerão o que é ser o mar.

O seu pesar, um pesar maior do que aquele de Cristo na Cruz, um pesar de mais peso do que a caminhada sangrenta do peregrino; o seu imóvel peso, como a leveza renovante do aroma da primavera quando sopra a brisa e anuncia novos começos; quando sopra a trompa e Pã sai à rua, a sonhar de mil vidas, de mil realizações, na terra do nunca.

O seu toque invisivel é como um mar de êxtase, de morte que é vida, de luz que morde sem fome, causando prazer dilacerante. Eremita, aquele que morreu para todos e o único a viver.

As suas cinzas... o testemunho de um Lampião feito Torre de Força... o clarão de todas as coisas.





Tudo o mais é tentação.

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